sábado, 30 de outubro de 2010

Uma amizade verdadeira

Não existe receita para a amizade. As vezes ela aparece  na infância,  escola,  trabalho,  bar,  igreja. Independente de onde ela vem, o que importa é seja que sincera e verdadeira

Elas eram amigas inseparáveis. Conheciam os pensamentos, desejos, medos,  alegrias e frustrações uma da outra. Numa tarde de verão enquanto caminhavam, Miriam desabafou mais uma vez com a amiga  Leila.
-Acho que tive um organismo outro dia, quando  eu e Jonas namorávamos?
-  É orgasmo que se fala! Me conta como foi, conta conta ?
- Esses detalhes  a gente não se comenta. Disse Miriam aos risos.

Desde  que ficou viúva, há 4 anos, Leila não sabia o que era  sexo. Também com quatro filhos para criar, ela só pensava em trabalhar  para sustentar suas crianças. Já Miriam não tinha filhos, mas se considerava uma mulher  completa ao lado do seu marido Jonas. 

As duas trabalhavam em barracas na feira. Enquanto Miriam separava as flores para o comércio , Leila arrumava as frutas nas prateleiras. Entre um  freguês e outro o diálogo não tinha fim.
- Voce vai no show do Roberto? Perguntou Miriam.
- Bem que eu gostaria, mas não tenho dinheiro para isso não. Mal consigo alimentar meus filhos! Respondeu a amiga.
- Podemos ficar com a barraca aberta até mais tarde para tentar um extra. Daí podemos juntar e  comprar os ingressos para irmos juntas. Disse Miriam minutos antes de apresentar uma expressão de dor.
- O que há com você?  Perguntou Leda com preocupação.
- Foi só uma tontura com dor de cabeça. Logo fico bem.
-Já falei para você ir ao médico ver isso.

Passado alguns dias, a ausência da amiga na feira já demonstrava que as coisas não estavam bem,  Leila telefonou para saber noticias. Foi ai que Jonas informou que  os exames  mostraram que Miriam estava com uma doença  grave e que tinha no máximo seis meses de vida. 

As duas aproveitaram para realizar todos os sonhos de Miriam.Caminhar  na praia de madrugada, cinema a tarde,  sorvete no domingo. Até um dia que ela desmaiou e não saiu com vida do hospital.Todas as semanas  Leila ia visitar  a nova morada de Miriam. Ali conversava com ela e dava muitas risadas, igual  nos tempos da feira.

Faltavam dois dias para o show do Roberto quando, ao chegar em casa, Leila percebeu um envelope embaixo da porta. Quando abriu se deparou com dois convites para o show do grande astro. Junto com os ingressos um bilhete que dizia:" Caso  eu não esteja mais  aqui  para ir contigo. Venda um ingresso e compre um vestido novo. Mas não deixe de realizar seu sonho.  Seja Feliz.  Sua amiga para sempre, Miriam."  No show, ao som da musica  “ Como é grande o meu  por você”, Leila chora ao lembrar dos momentos agradáveis ao lado da  sua melhor amiga.

 Logo em seguida os créditos do filme começam a subir  e eu deitada no sofá da sala, com meu pijama branco de ovelhas cor de rosa, não conseguia parar de chorar. Sem entender nada minha filha  perguntou:
- O que foi mãe, porque você  está chorando tanto?
Depois de soar o nariz com o que sobrou do rolo de papel higênico, respondi:
- Porque eu  queria muito ter uma amizade assim.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O "Índio Véio" sai de cena


O celular do meu marido despertou exatamente as cinco e meia da madrugada de domingo, dia 03 de outubro. Eu já previa que o dia seria agitado , não só pelo fato de ser eleições, mas eu sentia que algo diferente estava acontecendo. Sem titubear, coloquei o travesseiro no ouvido e virei-me para o canto da cama na esperança de retomar o sono. Pura ilusão. Foi quando ouvi ele dizer: o Paulo morreu, acabei de ler a mensagem no celular.

Por um momento pensei em perguntar, que Paulo? Mas eu já sabia  que o Paulo Ubiratan estava na UTI. A partir daí não consegui mais dormir. Levantei uma hora depois. Um breve café da manhã. Em frente o guarda-roupa optei por calça e camiseta preta. Peguei os óculos escuros, um guarda chuva, dei um beijo em cada um dos filhos e fui a caminho do velório.

A cada passo uma lembrança, uma cena, um flashback. Parecia estar ouvindo sua voz grave dizendo a cada manhã: trabalhador, trabalhadora, pense nisso! Tantas histórias pra contar. Meu primeiro emprego no rádio foi na Alvorada em 1.988, quando conheci Paulo Ubiratan. Ele queria implantar o jornalismo na emissora, só que o padre diretor, não era muito favorável a idéia. Por conta disso, ele costumava dizer que precisávamos agradar o padre. Todos os dias, as 17:55 ele entrava na redação e ordenava: todo mundo pro estúdio!Era hora da ave-maria e ele achava que se rezássemos ali, o padre se agradaria da gente. Terminado ritual, ele acendia um cigarro e resmungava. Foi bom né!

Naquela época não tinha computador. A edição no rádio era na fita rolo. Tinha de cortar, emendar, e colocar na sequência para entrar no ar. Um dia, ele chamou uma entrevista do Cheida que ia lançar um livro de ecologia e entrou o Célio Guergoletto que era vereador na época. Ele saiu do sério e ao vivo descascou todo mundo. Fiquei quietinha na redação e só esperando o sabão. Ao sair, ele ascendeu um cigarro, olhou dentro dos meus olhos e disse calmamente: O que tá acontecendo?

O Paulo tinha um coração enorme. Ao mesmo tempo que esbravejava, ensinava muito. Quando se deparava com um erro de concordância no texto. Meu Deus. Ele sempre me convidava pra cobrir as eleições na CBN, era muito bom. Eu chegava cedo e ele já estava lá, com a equipe distribuída por regiões, os boletins gravados e uma lista enorme com nomes e telefones de autoridades convidadas fazer os comentários . Gostava de sair na frente, dar furos. Um profissionalismo implacável.

No entanto, o que mais me chamava atenção naquele homem era o amor que ele tinha pelo seu filho Bruno. Desde pequeno, o garoto era a paixão dele. A cada encontro, um elogio para aquela criança, adolescente e hoje um homem. Um advogado, dizia ele com o maior orgulho.

Meus passos foram diminuindo. As imagens do passado começaram a desaparecer da minha mente. Logo frente vi dezenas de coroas na porta da câmara que revelavam o carinho dos amigos por este jornalista que partiu nos deixando o seu legado, sua história, sua experiência profissional . Ele sai de cena sem saber se deu Dilma ou Serra, sem votar no amigo Requião e sem se despedir da Elza Correia.

Faz o seguinte Paulo, aproveita e pede pra Deus proibir a morte de jornalista no dia de eleição, pois se assim fosse ainda teríamos você para cobrir mais essa. Mas, como o Poderoso sabe de todas as coisas, só me basta te desejar : Descansa em paz "Índio Véio".